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quinta-feira, dezembro 16, 2004

Rock In Rio Lisboa 2004

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Das terras do fado para o mais hard do Rock

Um festival típico brasileiro que leva consigo o nome da verdadeira cidade do Rock. O maior evento de música do mundo, em público e em artistas, tem, por obrigação, de ter uma ligação mais constante com seu público. Com ingressos a 53 euros cada, quem ousasse amar a música por seis dias desembolsaria pelo menos 318 euros. Mesmo sendo de cunho social “por um mundo melhor”, a cada passo que dávamos no recinto recebíamos um brinde dos patrocinadores. Até mesmo os lenços brancos que serviram de “estandarte da paz” durante os três minutos de silêncio, típicos do evento, vinham tingidos com propaganda. Quanto aos preços, uma simples camisa com o símbolo do festival custava 30 euros e um pequeno porta-chaves ou chaveiro se comprava por 5 euros.
O Rock In Rio 2004 foi marcado em Portugal por muita expectativa por parte dos portugueses e não só. Pessoas do mundo inteiro vieram assistir aos shows dos seus ídolos. Ingleses, franceses, espanhóis, portugueses, irlandeses e sobretudo brasileiros participaram do evento, assistindo desde fado a samba, de música electrônica a rock.
Números
Após três edições, o Rock In Rio ganhou maior idade e cruzou o oceano. O empresário Roberto Medina, pai da ideia, fez o evento desembarcar em Lisboa, capital portuguesa. A música ganhou um novo sotaque entre os dias 28 e 30 de maio e 4 e 6 de junho. A cidade do Rock contou com 220 mil metros quadrados distribuídos pelo parque da Bela Vista, ao norte da cidade, lugar que até o momento era desconhecido pela maioria da população lisboeta, já que se encontra num bairro um tanto quanto desfavorecido socialmente.
Público
Em termos de público, pode-se dizer que não foi um sucesso. A organização esperava contar com 600 mil pessoas, 100 mil por dia. No primeiro fim de semana, somente 150 mil foram aos shows, 50% abaixo do esperado. O último fim de semana foi mais populoso. Segundo números da organização, foram 385 mil os que cruzaram as portas do festival, número maior do que Woodstock.
Nos seis dias de festival, 26 bandas e 70 artistas subiram ao “Palco Mundo” e tocaram mais de 130 horas de música, 14 por dia. Na versão lusa do Rock In Rio, houve a "Tenda Raízes", onde se dava a volta ao mundo através da música. Surgiu também a "Zona Radical", área de prática de esportes. Não se assustem com a zona daqui, pois zona é o mesmo que “lugar” e é fácil encontrar quem diga que “minha filha vive numa zona boa”.
Novidades
Sabor a mais do festival foi passar os seis dias debaixo de um intenso calor que pairava sobre Lisboa. Como todo país europeu, as estações em Portugal são bem definidas. No verão é muito quente, mas mesmo nesta estação, todas as noites são um pouco frias. Sem falar que por aqui estávamos na primavera. Mas durante o festival, nada atrapalhou. Houve muito calor de dia e frio a noite. Os portões se abriam às 14hs e a cidade do rock adormecia às 4hs da manhã. Tantas horas e tanto calor revelaram a moda portuguesa, cada qual a seu dia. No dia dos metaleiros, dia 4, a roupa era adornada por fivelas e correntes prateadas. No dia teen do festival, dia 5, o colorido tomou conta da visão da cidade. E no dia família, dia 6 e dia 28, era fácil achar gente da geração dos artistas em palco.
Segurança
Sobre as diferenças de "cá" p'rai, uma delas é que, por aqui, a "TendaElectrónica" ostentou um "c" mudo, mas o ritmo foi o mesmo. Quanto à segurança, Lisboa foi aprovada. Não houve incidentes graves, apenas uma carteira foi roubada durante a apresentação de uma banda de Rock portuguesa, os “Xutos e Pontapés”. No Brasil, também tivemos essa preocupação, mas em proporções diferentes. Em Portugal a preocupação é outra. Aqui nas estações do metro – lê-se métro – éramos alertados para "guardarmos bem nossa bagagem, pois qualquer objecto encontrado abandonado será destruído pelas forças de segurança". O que preocupa a todos são os atentados terroristas, o que explica os 51 detectores de metais nos acessos e as centenas de polícias que faziam a segurança. Depois dos ataques a Madrid e das supostas "ameaças" a Portugal, deve ser esse o motivo que afastou alguns portugueses do evento. Já que logo após ao sucedido na Espanha, as forças armadas portuguesas sugeriram ao povo que “não se envolvessem em eventos que atraíssem grandes multidões”.
Ponto positivo da realização do evento foram os acessos. Havia várias ligações de todos os lados de Lisboa, por trem e por metro, até à cidade do Rock. Nas últimas edições do Rock In Rio, nenhum artista português havia pisado no “Palco Mundo”, já em Lisboa, foram seis os brasileiros que o fizeram, somente no palco principal, foram eles: Affro Reggae, o ministro da cultura Gilberto Gil, Charlie Brown Jr., Sepultura, Daniela Mercury e Ivete Sangalo. Além dos brasileiros que se apresentaram nas tendas.
Profissionais
A produção desta quarta edição do Rock In Rio contou com 101 pessoas envolvidas, sendo 37 brasileiros e 64 portugueses. Cerca de 700 jornalistas de todo o mundo fizeram a cobertura do evento, com predomínio de brasileiros e espanhóis, que viram em Alejandro Sans a primeira oportunidade de um artista espanhol apresentar-se num Rock In Rio.
Na conferência de imprensa realizada no último dia na “Tenda Vip”, o balanço do evento foi "muito positivo". Por isso, Roberto Medina e Pedro Santana Lopes, presidente da Câmara de Lisboa - equivale a prefeito – anunciaram para 2006 o próximo Rock In Rio, ainda em Lisboa, onde terá frequência bienal. Santana Lopes chegou a admitir saber o que é uma marca, mas alertou Medina de que “seria bom mudar o nome do festival de Rock In Rio para Rock In Lisboa vindo do Rio". Ora, o nome é o que menos importa frente ao festival. Se é ou foi por um mundo melhor, deixamos o nome de lado, mas seria estranho, pois pelo que sabemos, o festival não abandonou o Rio, apenas foi turista em Portugal. Mas se apaixonou por Lisboa – e dou-lhe razão- e parece querer tirar largas férias por aqui.
Local de trabalho
A sala de imprensa estava todos os dias lotada de profissionais do mundo inteiro de rádio, televisão, jornal, revista e internet. A língua ajuda mas não em todas as situações. Bastou a assessora da produção, que é brasileira, pedir um durex, que uma portuguesa segurou o riso. Em Portugal, o certo é fita-cola, pois durex é o mesmo que preservativo para nós.
De acordo com fontes ligadas a organização do festival, as pretensões de Roberto Medina são de que o evento aconteça em simultâneo 24hs no mundo, nas cidades do Rio, Lisboa, Nova Iorque e Sidney.
A notar que o parque da Bela Vista situa-se perto duma das cabeceiras de pista do aeroporto internacional de Lisboa, o da Portela, lembra-nos que o festival ganhou asas e começou a trilhar sua carreira internacional. E teve um bom começo. A língua ajudou. Ou quase. Certo é que o Rio de Janeiro criou um filho e, como tal, criou-o para o mundo.

Igor Lopes

domingo, dezembro 12, 2004

Jorge Sampaio

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Mídia e Poder no centro da crise em Portugal

Portugal está mergulhado numa crise política sem precedentes. É assim que o país se sente depois da decisão do Presidente da República, Jorge Sampaio.
Durante reunião com o Primeiro-Ministro, Pedro Miguel de Santana Lopes, Jorge Sampaio decidiu dissolver o Parlamento, alegando o perigo da instalação de um clima de instabilidade política.
O caso começa com a saída do Premier português, Durão Barroso, para a presidência da Comissão Europeia, em Julho. Ao deixar o cargo, Durão Barroso garantiu o seguimento do governo do Partido Social-Democrata (PSD), nomeando Santana Lopes, ex-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (equivale a Prefeitura), para Primeiro-Ministro. A opinião pública portuguesa contestou a decisão, alegando ser necessária a realização de eleições.
Uma vez que Jorge Sampaio confirmou o actual Premier para o cargo, uma sucessão de acontecimentos deram início à crise no governo português. Um dos fatores de maior destaque foi a saída do comentarista político Marcelo Rebelo de Sousa de seus comentários habituais de domingo (durante quatro anos e meio) no canal privado de televisão, TVI. Numa segunda-feira, posteriormente aos comentários contrários a conduta política de Santana Lopes, o “professor” anunciou sua saída do canal de televisão. Também após as críticas, o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, contrariou a análise do "professor", agravando a crise. Marcelo Rebelo de Sousa teria deixado o canal devido a pressões de alguns ministros sobre Miguel Pães do Amaral, presidente da estação, já que “o governo estaria incomodado com os comentários do também militante do PSD”. Uma verdadeira guerra de informação tomou conta do dia-a-dia dos portugueses. De um lado, Marcelo Rebelo de Sousa negava-se a comentar sua decisão, enquanto que o governo cobrava uma explicação e, ao mesmo tempo, afirmava que a liberdade de imprensa estava garantida no País. O caso chegou à Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), que é a entidade reguladora para a classe em Portugal.
Após serem ouvidos os coadjuvantes, a AACS acabou por concluir que as declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares sobre os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI constituem “uma tentativa de pressão Ilegítima” sobre a Media Capital (empresa que detém os direitos da TVI) e colidem com a “independência dos órgãos de comunicação social”. A AACS assinalou também que, apesar das críticas feitas ao teor dos comentários de Marcelo de Sousa, “nem o ministro dos Assuntos Parlamentares, nem o Governo alguma vez recorreram ao exercício do direito de resposta ou retificação”. Esse foi apenas o primeiro passo para a instabilidade política nacional.
Longe da cena política, mas no centro da estação pública televisiva, a Rádio e Televisão de Portugal (RTP), outro assunto dominou os noticiários em mais uma questão política. O apresentador do “Telejornal”, José Rodrigues dos Santos, demitiu-se da direção de informação do canal, alegando ter sido desrespeitada a decisão da direção em relação ao novo correspondente da RTP em Madrid. Foi aberta, então, uma audição para apurar o caso. Ao ser ouvido na AACS, o jornalista garantiu que “a administração decidiu (em relação ao correspondente) à sua revelia e contra a sua vontade, mas nunca fui alvo de pressões ou ameaças”.“A decisão sobre os conteúdos e a nomeação das pessoas que os executam são dois poderes inalienáveis do diretor de informação e da sua equipe”, completou.
O centro da discórdia seria o concurso para a escolha do correspondente da RTP em Madrid, em que o Conselho de Administração (CA) nomeou a quarta classificada do concurso, contra a proposta da Direção de Informação (DI), que propunha a candidata colocada em primeiro lugar. Esta foi, entretanto, colocada em Moçambique, sendo assim, a DI passou a defender o envio do segundo classificado para a capital espanhola. Decisões a parte, as audições continuam até que a questão seja totalmente esclarecida.
Não está em questão, pelo menos neste último ponto, a liberdade de imprensa em Portugal. O que prejudica o entendimento dos portugueses perante os dois fatos é a questão da imposição política. Primeiro um comentador político, militante do partido que está no poder, abandona suas funções sem nada alegar e, mais tarde, diz-se pressionado, pelo “patrão” da emissora, a mudar o conteúdo de suas críticas. No caso Rodrigues dos Santos, apesar de sentir-se desautorizado, o jornalista continua a exercer suas funções de apresentador. Neste caso, a AACS ainda não divulgou um parecer, já que continuam as audições.
População acredita em pressões do governo

De acordo com uma pesquisa feita pelo jornal Diário de Notícias (DN), a maioria da população portuguesa acredita que a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI foi subordinada às pressões do governo ao órgão de comunicação social. Segundo dados apurados, em Outubro, pela Marktest para o DN e rádio TSF, 56% dos entrevistados, entre os quais estão 31% dos eleitores do PSD, acreditam que houve pressões do Governo liderado por Santana Lopes para afastar Rebelo de Sousa da TVI.
Por outro lado, 21,3% consideram que a saída do ex-Presidente do PSD do canal não esteve relacionada com interferências do poder político. Os restantes 22,7% dos entrevistados dizem não ter opinião formada sobre o assunto. A sondagem mostra ainda que os eleitores socialistas são os que mais acreditam em pressões do Governo somando, neste caso, 74,9%.
O pretexto de Sampaio
Foram muitas as razões que levaram Jorge Sampaio a optar por dissolver o Parlamento. Uma delas foi um artigo de Cavaco Silva na última edição do influente jornal Expresso. O ex-Primeiro-Ministro e antigo líder do PSD considerou ter “chegado o tempo dos políticos competentes afastarem os incompetentes”.No mesmo dia, Santana Lopes comparou o Governo a um bebé que foi “tratado com palmadas e pontapés pelos irmãos mais velhos” quando ainda estava na incubadora. Uma resposta muito óbvia a Cavaco.
Cronologia da crise
Dentre outros fatores que motivaram a decisão do Presidente português estão, segundo o chefe do Executivo, a instabilidade política, bem como a pressão popular para que haja eleições. Santana Lopes ficou no poder por apenas quatro meses, mas soma vários episódios que deram forma a decisão do presidente da República.
Os principais eventos do governo de Santana Lopes começam com sua tomada de posse em 17 de Julho.
No dia 21 de Julho, tomam posse os secretários de Estado do Governo. Durante a cerimônia, o Primeiro-Ministro decide que Teresa Caeiro muda de ministra da Defesa para secretária de Estado da Cultura. No dia 6 de Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deixa a TVI, alegadamente devido a pressões de ministros sobre Paes do Amaral, presidente da TVI, incomodados com os comentários de Rebelo de Sousa.
Nos Dias 12,13 e 14 de Novembro ocorre o Congresso do PSD, em Barcelos. Surgem aí desentendimentos dentro da coalizão de direita (PSD e CDS). Os congressistas do PSD manifestam-se contra o parceiro da coalizão, o CDS. No dia 17 de Novembro, a Alta Autoridade para a Comunicação Social emite um parecer considerando que houve pressões do governo no caso Marcelo.
No dia 19 de Novembro, o Presidente da República veta a Central de Comunicação, uma das propostas do governo de Santana Lopes. Dia 24 de Novembro, o Primeiro-Ministro remodela o governo. Entram alguns secretários de Estado novos e ministros da área das finanças trocam de pastas. Santana admite problemas de coordenação na sua equipa.
Dia 28 de Novembro, o ministro do Desporto, Henrique Chaves, apresenta a sua demissão, acusando Santana Lopes de falta de verdade e de lealdade. Dia 29 de Novembro, Santana Lopes reúne-se com Jorge Sampaio. No dia 30, Santana Lopes retorna a Belém para levar o nome do substituto de Henrique Chaves e o presidente da República comunica-lhe que vai convocar eleições antecipadas.
"A política não pode ter segredos. Na segunda-feira de manhã (na reunião em Belém – sede do Governo português- com Jorge Sampaio) foi-me expressamente garantido que quarta-feira de manhã não haveria dissolução. Fiz a pergunta três vezes, no início, a meio e no fim da conversa, e das três vezes isso foi-me garantido”, revelou Santana Lopes, sobre a tardia decisão de dissolver a Assembleia da República.“Toda a gente tem direito a mudar de opinião, mas o que fez o Presidente mudar de opinião?", contestou. "Não passa pela cabeça de ninguém que a tomada de posse dos secretários de Estado, quatros dias antes, tivesse sido a brincar. Isto sem uma palavra que permitisse aos portugueses perceber o que se tenha passado na cabeça do Presidente”, completou.
Esta semana, após o porta-voz do governo ter dementido que Jorge Sampaio teria garantido que não dissolveria o Parlamento, o Presidente fez um pronunciamento ao País, mas não explicou em concreto suas razões.
A escolha
Os portugueses poderão agora dar voz a suas vontades e escolher de forma democrática o Primeiro-Ministro. Segundo as últimas pesquisas eleitorais, Santana Lopes (PSD) aparece com 36% das intenções de voto contra 45% do candidato do PS, José Sócrates.
Em cheque estão as medidas do actual governo, algumas delas polémicas, como a da implantação de pedágio nas estradas designadas sem custos para os utilizadores (scut), o que é duramente criticado pela oposição. Outro caso a abordar é a questão do Orçamento de Estado para 2005, que foi aprovado. O que pesa nessa questão é que, desde sua tomada de posse, os maiores economistas e empresários do País não aprovaram a indicação do político. Um caso a ser confrontado nas urnas.
O sucessor

As eleições estão marcadas para o dia 20 de Fevereiro. Dentre os candidatos, o partido Social-Democrata parece confirmar a candidatura de Santana Lopes, enquanto que o partido de oposição, PS, anuncia José Sócrates. A coligação CDS-PP/PSD parece ter terminado e cada partido vai concorrer separado.
Em Bruxelas, Durão Barroso recusa-se a comentar a decisão de Jorge Sampaio, enquanto que Santana Lopes cobra do Presidente uma explicação pela repentina decisão de convocar eleições antecipadas.
Santana Lopes foi o terceiro Primeiro-Ministro de Portugal num espaço de três anos. Em 2001, António Guterres, candidato do PS, demitiu-se após perder maioria no Parlamento. Foi substituído por Durão Barroso, do PSD, que abandonou o governo este ano. Santana Lopes tomou, então, posse numa alegada “continuação de governo”, segundo o actual presidente da Comissão Europeia. O próximo Premier português será escolhido em pouco mais de dois meses.

Ígor Lopes - Porto

tragédia grega com ar de divina comédia

Lisboa - A mitologia pode armar das suas. E o futebol também. Para os gregos, tragikós ou tragédia definia, acima de tudo, uma forma artística ou algo que somente ocorria entre os grandes. Para o filósofo grego, Aristóteles, a tragédia seria "uma imitação de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror, provoca o desencadeamento liberador de tais afetos". E assim o foi, não de forma tão elegante e de tal grandeza, mas foi de concreta tragédia, pelo menos para os portugueses que viram no novo estádio da Luz - o reduto dos benfiquistas -, o apagar de um velho sonho: o do primeiro título europeu de futebol.
Desde o primeiro jogo, o time grego mostrou estar acompanhado de seu Deus, que ousou, frente ao novo estádio do Porto – estádio do Dragão -, chicotear Portugal com um 2-1, logo no início da competição. A derrota passou. Os jogos seguintes foram melhores. Luís Felipe Scolari soube admitir seus erros e voltou atrás na escolha do time titular. Mas o resultado final não se era de esperar. O que parece tragédia não passa, na verdade, de uma comédia.
A Divina Comédia, obra prima de Dante Alighieri, de 1307, é um poema que narra uma odisséia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo cada etapa da viagem com detalhes quase visuais. A “equipa das Kinas”, como é conhecida a seleção portuguesa, chegou a experimentar dois dos três caminhos de Dante. Primeiro o Inferno, logo no jogo de estreia do europeu. Segundo, o Purgatório, onde esperava por seu destino, a escolha da redenção dos seus “pecados” e erros. O Paraíso foi a única fase que não rendeu nada às expectativas lusas, que tinha data para o 4 de Julho. Coincidências à parte, o mesmo dia é de comemorações pela independência norte-americana, e assim o foi do outro lado do mundo. O paraíso grego, que experimentou em pouco o inferno, teve no purgatório um destino mais feliz que o de Portugal.
Decerto, aquele gol grego criou um mito, um Deus que pode ser esquecido em breve, mas que teve devotos ao longo dos minutos restantes do espetáculo, que, ainda de acordo com a mitologia grega, gira em torno do destino infeliz do herói e das sagas antigas, onde é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. E assim é a vida. E o futebol não escapa dela. Não bastou acreditar. A maioria dos torcedores dava como garantida a vitória de Portugal, que acabou por não acontecer. O país inteiro parou para assistir aos jogos do time da casa. Houve muito pessimismo - marca registrada dos nossos patrícios. Mas houve também quem acreditasse. Não havia portas, janelas, varandas, carros e ruas que não ostentassem uma pequena ou imensa bandeira nacional. Mas o impossível aconteceu.
Chegou o tempo das olimpíadas. E, mais uma vez, os ares gregos mostraram não fazer nada bem a Portugal. A epopeia Camoniana em nada cruzou-se com com os pensares grecígenas. Receou-se uma “nova era grega”, nos gramados. Mas como tudo na vida tem um fim, o ouro olímpico não é grego. De tragédia à la grega à comédia nada divina. Como o esporte ultrapassa as fronteiras da razão, e o futebol mostra isso, a nós resta-nos congratular os vencedores, a Grécia e ao povo português que fez fora dos campos o seu maior espetáculo, a contrariar qualquer prognóstico mitológico.

Igor Lopes

Carlos Henrique Escobar

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“Um país absolutamente sem carater”

É assim que Carlos Henrique Escobar descreve o Brasil. Antigo professor da Facha, o filósofo escolheu Portugal para viver depois de ter passado pelos maus tempos da ditadura

Carlos Henrique Escobar Fagundes, nasceu em novembro de 1933, em São Paulo. Chegou a Portugal em outubro de 2000, viajando do Brasil direto a Livorno, na Itália, num navio misto de passageiros e de carga. Logo depois voou para Portugal, via Zurique.
Escobar, como ficou conhecido depois de um curso de cinema, no Rio de Janeiro, trouxe consigo sua esposa Ana, seu filho Emílio e seus sete gatos, que vieram diretos para Portugal. “Os motivos principais desta mudança para Portugal foram alguns problemas de saúde da Ana, que é portuguesa e cuja família toda vive em Portugal, além do fato de que não querer que nosso filho crescesse na violência do Rio”, afirma Escobar.
Carlos Henrique Escobar vive em Aveiro, cidade da região da Beira Litoral, a 265 km de Lisboa. O filósofo orgulha-se do fato de não ter feito a escolaridade tradicional, sendo considerado um autodidata. Até hoje, o escritor publicou cerca de 30 livros, entre poesia, teatro, ensaios e filosofia, no Brasil e em Portugal. Com 71 anos, atualmente o autor ocupa suas horas livres tratando da publicação de seu teatro aqui em Portugal, além de escrever seu livro de teses de filosofia.
Mesmo longe do Brasil, em tom poético, o professor não esconde a mágoa das pessoas que não o apoiaram: “Acho que fiz muitos inimigos porque “sonhei” com o caráter, a firmeza das posições e talvez também com a misericórdia. Os homens parecem não saber onde estão, nem quem são. Afinal, há tão pouca loucura no mundo”.
Depois de muitos sacrifícios na ditadura, Escobar diz não recear a morte: “Estou bem. Sempre mais velho e mais ‘morrendo’, num processo crescente de compreensão, surpresa, respeito e também revolta. Sinto que não sei e não saberei morrer, mas sinto que ter vivido a dor no corpo-a-corpo da infância e da juventude, nos choques elétricos, nos afogamentos e violências sexuais do Doi-Codi acabou por me ajudar muito a ser velho e a administrar o horror”.
Dos tempos de professor da Facha, o filósofo manda um recado a alguns professores: “Minha saudade de cada um de vocês é imensa. E sinto muito ter algumas vezes criticado ou exigido algo mais de um ou de outro. Sempre admirei a delicadeza e até beleza da forma do Naílton administrar a Escola de uma forma leve, quase secreta, mesmo se inseparável de uma sombra. Sei que ele o fez para sobreviver e assim não me aborreço que isso implique numa certa injusta submissão a pessoas mesquinhas e incompetentes que subtraem os recursos da Escola, sem nada investirem”.
Como docente, Escobar afirma ter dado o melhor de si, mesmo aos que não mereceram: “Quanto a mim, respeitei os alunos, cumpri as obrigações de professor e fui amigo de todos, mesmo dos que jamais foram meus amigos”. Mesmo os sindicatos não lhe são uma boa recordação: “Fui solidário com a luta dos professores, nunca traí esta luta, mesmo quando o Sindicato nos traía. Não fiz concessões aos “poderosos” para me beneficiar, aliás me repugna tirar proveito seja ele qual for na vida, e ainda mais numa realidade como o Brasil”.
Quero e compreendo que os fracos, desleais, mentirosos profissionais, falem mal de mim e me tenham temido. Eu os infernizava. Que sejam eles os testemunhos de quem fui. Há uma certa inocência dos que procuram tirar proveito da vida à custa da dor e humilhação dos outros”, desabafa ele.
O poeta descreve o Brasil como um país sem caracter, aludindo aos maus tempos de uma política quase sem precedentes: “Se envelheço e morro é porque vivi o tamanho inteiro da minha vida, porque sobrevivi a uma ousadia muito minha. E se sobrevivi aos perigos e posições que assumi num país absolutamente sem caráter, é porque devo a vida à sorte de ser amado pelas mulheres. Mas o que mais me orgulhou foi a fidelidade com todos os animais”. Carlos Henrique Escobar passa o dia acompanhado de seus gatos, que são os animais preferidos do filósofo, quem encontrou em Aveiro um cenário perfeito para estudar e escrever.

A vida de Escobar

Como dramaturgo, Escobar escreveu a primeira peça aos 17 anos (Antígona América) e teve várias outras premiadas pelo Serviço Nacional de Teatro. Tem dez livros editados com várias peças, além das últimas: “Medeia Masculina” e “A Tragédia de Althusser”, editadas em Portugal. Em poesia, editou seis livros, sendo também premiado algumas vezes. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira de professor universitário, sendo um dos fundadores da Escola de Comunicação da UFRJ. Militante de esquerda desde a sua juventude, foi preso político durante a ditadura militar, perdendo a audição de um ouvido nas salas de tortura, além de ser proibido de dar aulas, sendo anistiado durante o governo Sarney, em 1986. Durante esse tempo lecionou em várias Universidades privadas do Rio e viajou por todo o Brasil dando cursos e conferências.
Em 1986 volta à UFRJ e à UFF e recebe, pela UFRJ, o título de Notório Saber. Em 1992 recebe o título de doutor na Escola de Comunicação da UFRJ, defendendo a tese “O Marxismo Trágico”. Foi também, durante cinco anos, professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Editou mais de dez livros de Filosofia e de Ensaios.
Depois de reformar-se veio, no final de 2000, viver em Portugal, onde participa em congressos e dá conferências.

Ígor Lopes