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domingo, dezembro 12, 2004

Mídia e Poder no centro da crise em Portugal

Portugal está mergulhado numa crise política sem precedentes. É assim que o país se sente depois da decisão do Presidente da República, Jorge Sampaio.
Durante reunião com o Primeiro-Ministro, Pedro Miguel de Santana Lopes, Jorge Sampaio decidiu dissolver o Parlamento, alegando o perigo da instalação de um clima de instabilidade política.
O caso começa com a saída do Premier português, Durão Barroso, para a presidência da Comissão Europeia, em Julho. Ao deixar o cargo, Durão Barroso garantiu o seguimento do governo do Partido Social-Democrata (PSD), nomeando Santana Lopes, ex-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (equivale a Prefeitura), para Primeiro-Ministro. A opinião pública portuguesa contestou a decisão, alegando ser necessária a realização de eleições.
Uma vez que Jorge Sampaio confirmou o actual Premier para o cargo, uma sucessão de acontecimentos deram início à crise no governo português. Um dos fatores de maior destaque foi a saída do comentarista político Marcelo Rebelo de Sousa de seus comentários habituais de domingo (durante quatro anos e meio) no canal privado de televisão, TVI. Numa segunda-feira, posteriormente aos comentários contrários a conduta política de Santana Lopes, o “professor” anunciou sua saída do canal de televisão. Também após as críticas, o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, contrariou a análise do "professor", agravando a crise. Marcelo Rebelo de Sousa teria deixado o canal devido a pressões de alguns ministros sobre Miguel Pães do Amaral, presidente da estação, já que “o governo estaria incomodado com os comentários do também militante do PSD”. Uma verdadeira guerra de informação tomou conta do dia-a-dia dos portugueses. De um lado, Marcelo Rebelo de Sousa negava-se a comentar sua decisão, enquanto que o governo cobrava uma explicação e, ao mesmo tempo, afirmava que a liberdade de imprensa estava garantida no País. O caso chegou à Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), que é a entidade reguladora para a classe em Portugal.
Após serem ouvidos os coadjuvantes, a AACS acabou por concluir que as declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares sobre os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI constituem “uma tentativa de pressão Ilegítima” sobre a Media Capital (empresa que detém os direitos da TVI) e colidem com a “independência dos órgãos de comunicação social”. A AACS assinalou também que, apesar das críticas feitas ao teor dos comentários de Marcelo de Sousa, “nem o ministro dos Assuntos Parlamentares, nem o Governo alguma vez recorreram ao exercício do direito de resposta ou retificação”. Esse foi apenas o primeiro passo para a instabilidade política nacional.
Longe da cena política, mas no centro da estação pública televisiva, a Rádio e Televisão de Portugal (RTP), outro assunto dominou os noticiários em mais uma questão política. O apresentador do “Telejornal”, José Rodrigues dos Santos, demitiu-se da direção de informação do canal, alegando ter sido desrespeitada a decisão da direção em relação ao novo correspondente da RTP em Madrid. Foi aberta, então, uma audição para apurar o caso. Ao ser ouvido na AACS, o jornalista garantiu que “a administração decidiu (em relação ao correspondente) à sua revelia e contra a sua vontade, mas nunca fui alvo de pressões ou ameaças”.“A decisão sobre os conteúdos e a nomeação das pessoas que os executam são dois poderes inalienáveis do diretor de informação e da sua equipe”, completou.
O centro da discórdia seria o concurso para a escolha do correspondente da RTP em Madrid, em que o Conselho de Administração (CA) nomeou a quarta classificada do concurso, contra a proposta da Direção de Informação (DI), que propunha a candidata colocada em primeiro lugar. Esta foi, entretanto, colocada em Moçambique, sendo assim, a DI passou a defender o envio do segundo classificado para a capital espanhola. Decisões a parte, as audições continuam até que a questão seja totalmente esclarecida.
Não está em questão, pelo menos neste último ponto, a liberdade de imprensa em Portugal. O que prejudica o entendimento dos portugueses perante os dois fatos é a questão da imposição política. Primeiro um comentador político, militante do partido que está no poder, abandona suas funções sem nada alegar e, mais tarde, diz-se pressionado, pelo “patrão” da emissora, a mudar o conteúdo de suas críticas. No caso Rodrigues dos Santos, apesar de sentir-se desautorizado, o jornalista continua a exercer suas funções de apresentador. Neste caso, a AACS ainda não divulgou um parecer, já que continuam as audições.
População acredita em pressões do governo

De acordo com uma pesquisa feita pelo jornal Diário de Notícias (DN), a maioria da população portuguesa acredita que a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI foi subordinada às pressões do governo ao órgão de comunicação social. Segundo dados apurados, em Outubro, pela Marktest para o DN e rádio TSF, 56% dos entrevistados, entre os quais estão 31% dos eleitores do PSD, acreditam que houve pressões do Governo liderado por Santana Lopes para afastar Rebelo de Sousa da TVI.
Por outro lado, 21,3% consideram que a saída do ex-Presidente do PSD do canal não esteve relacionada com interferências do poder político. Os restantes 22,7% dos entrevistados dizem não ter opinião formada sobre o assunto. A sondagem mostra ainda que os eleitores socialistas são os que mais acreditam em pressões do Governo somando, neste caso, 74,9%.
O pretexto de Sampaio
Foram muitas as razões que levaram Jorge Sampaio a optar por dissolver o Parlamento. Uma delas foi um artigo de Cavaco Silva na última edição do influente jornal Expresso. O ex-Primeiro-Ministro e antigo líder do PSD considerou ter “chegado o tempo dos políticos competentes afastarem os incompetentes”.No mesmo dia, Santana Lopes comparou o Governo a um bebé que foi “tratado com palmadas e pontapés pelos irmãos mais velhos” quando ainda estava na incubadora. Uma resposta muito óbvia a Cavaco.
Cronologia da crise
Dentre outros fatores que motivaram a decisão do Presidente português estão, segundo o chefe do Executivo, a instabilidade política, bem como a pressão popular para que haja eleições. Santana Lopes ficou no poder por apenas quatro meses, mas soma vários episódios que deram forma a decisão do presidente da República.
Os principais eventos do governo de Santana Lopes começam com sua tomada de posse em 17 de Julho.
No dia 21 de Julho, tomam posse os secretários de Estado do Governo. Durante a cerimônia, o Primeiro-Ministro decide que Teresa Caeiro muda de ministra da Defesa para secretária de Estado da Cultura. No dia 6 de Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deixa a TVI, alegadamente devido a pressões de ministros sobre Paes do Amaral, presidente da TVI, incomodados com os comentários de Rebelo de Sousa.
Nos Dias 12,13 e 14 de Novembro ocorre o Congresso do PSD, em Barcelos. Surgem aí desentendimentos dentro da coalizão de direita (PSD e CDS). Os congressistas do PSD manifestam-se contra o parceiro da coalizão, o CDS. No dia 17 de Novembro, a Alta Autoridade para a Comunicação Social emite um parecer considerando que houve pressões do governo no caso Marcelo.
No dia 19 de Novembro, o Presidente da República veta a Central de Comunicação, uma das propostas do governo de Santana Lopes. Dia 24 de Novembro, o Primeiro-Ministro remodela o governo. Entram alguns secretários de Estado novos e ministros da área das finanças trocam de pastas. Santana admite problemas de coordenação na sua equipa.
Dia 28 de Novembro, o ministro do Desporto, Henrique Chaves, apresenta a sua demissão, acusando Santana Lopes de falta de verdade e de lealdade. Dia 29 de Novembro, Santana Lopes reúne-se com Jorge Sampaio. No dia 30, Santana Lopes retorna a Belém para levar o nome do substituto de Henrique Chaves e o presidente da República comunica-lhe que vai convocar eleições antecipadas.
"A política não pode ter segredos. Na segunda-feira de manhã (na reunião em Belém – sede do Governo português- com Jorge Sampaio) foi-me expressamente garantido que quarta-feira de manhã não haveria dissolução. Fiz a pergunta três vezes, no início, a meio e no fim da conversa, e das três vezes isso foi-me garantido”, revelou Santana Lopes, sobre a tardia decisão de dissolver a Assembleia da República.“Toda a gente tem direito a mudar de opinião, mas o que fez o Presidente mudar de opinião?", contestou. "Não passa pela cabeça de ninguém que a tomada de posse dos secretários de Estado, quatros dias antes, tivesse sido a brincar. Isto sem uma palavra que permitisse aos portugueses perceber o que se tenha passado na cabeça do Presidente”, completou.
Esta semana, após o porta-voz do governo ter dementido que Jorge Sampaio teria garantido que não dissolveria o Parlamento, o Presidente fez um pronunciamento ao País, mas não explicou em concreto suas razões.
A escolha
Os portugueses poderão agora dar voz a suas vontades e escolher de forma democrática o Primeiro-Ministro. Segundo as últimas pesquisas eleitorais, Santana Lopes (PSD) aparece com 36% das intenções de voto contra 45% do candidato do PS, José Sócrates.
Em cheque estão as medidas do actual governo, algumas delas polémicas, como a da implantação de pedágio nas estradas designadas sem custos para os utilizadores (scut), o que é duramente criticado pela oposição. Outro caso a abordar é a questão do Orçamento de Estado para 2005, que foi aprovado. O que pesa nessa questão é que, desde sua tomada de posse, os maiores economistas e empresários do País não aprovaram a indicação do político. Um caso a ser confrontado nas urnas.
O sucessor

As eleições estão marcadas para o dia 20 de Fevereiro. Dentre os candidatos, o partido Social-Democrata parece confirmar a candidatura de Santana Lopes, enquanto que o partido de oposição, PS, anuncia José Sócrates. A coligação CDS-PP/PSD parece ter terminado e cada partido vai concorrer separado.
Em Bruxelas, Durão Barroso recusa-se a comentar a decisão de Jorge Sampaio, enquanto que Santana Lopes cobra do Presidente uma explicação pela repentina decisão de convocar eleições antecipadas.
Santana Lopes foi o terceiro Primeiro-Ministro de Portugal num espaço de três anos. Em 2001, António Guterres, candidato do PS, demitiu-se após perder maioria no Parlamento. Foi substituído por Durão Barroso, do PSD, que abandonou o governo este ano. Santana Lopes tomou, então, posse numa alegada “continuação de governo”, segundo o actual presidente da Comissão Europeia. O próximo Premier português será escolhido em pouco mais de dois meses.

Ígor Lopes - Porto

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