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domingo, dezembro 12, 2004

tragédia grega com ar de divina comédia

Lisboa - A mitologia pode armar das suas. E o futebol também. Para os gregos, tragikós ou tragédia definia, acima de tudo, uma forma artística ou algo que somente ocorria entre os grandes. Para o filósofo grego, Aristóteles, a tragédia seria "uma imitação de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror, provoca o desencadeamento liberador de tais afetos". E assim o foi, não de forma tão elegante e de tal grandeza, mas foi de concreta tragédia, pelo menos para os portugueses que viram no novo estádio da Luz - o reduto dos benfiquistas -, o apagar de um velho sonho: o do primeiro título europeu de futebol.
Desde o primeiro jogo, o time grego mostrou estar acompanhado de seu Deus, que ousou, frente ao novo estádio do Porto – estádio do Dragão -, chicotear Portugal com um 2-1, logo no início da competição. A derrota passou. Os jogos seguintes foram melhores. Luís Felipe Scolari soube admitir seus erros e voltou atrás na escolha do time titular. Mas o resultado final não se era de esperar. O que parece tragédia não passa, na verdade, de uma comédia.
A Divina Comédia, obra prima de Dante Alighieri, de 1307, é um poema que narra uma odisséia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo cada etapa da viagem com detalhes quase visuais. A “equipa das Kinas”, como é conhecida a seleção portuguesa, chegou a experimentar dois dos três caminhos de Dante. Primeiro o Inferno, logo no jogo de estreia do europeu. Segundo, o Purgatório, onde esperava por seu destino, a escolha da redenção dos seus “pecados” e erros. O Paraíso foi a única fase que não rendeu nada às expectativas lusas, que tinha data para o 4 de Julho. Coincidências à parte, o mesmo dia é de comemorações pela independência norte-americana, e assim o foi do outro lado do mundo. O paraíso grego, que experimentou em pouco o inferno, teve no purgatório um destino mais feliz que o de Portugal.
Decerto, aquele gol grego criou um mito, um Deus que pode ser esquecido em breve, mas que teve devotos ao longo dos minutos restantes do espetáculo, que, ainda de acordo com a mitologia grega, gira em torno do destino infeliz do herói e das sagas antigas, onde é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. E assim é a vida. E o futebol não escapa dela. Não bastou acreditar. A maioria dos torcedores dava como garantida a vitória de Portugal, que acabou por não acontecer. O país inteiro parou para assistir aos jogos do time da casa. Houve muito pessimismo - marca registrada dos nossos patrícios. Mas houve também quem acreditasse. Não havia portas, janelas, varandas, carros e ruas que não ostentassem uma pequena ou imensa bandeira nacional. Mas o impossível aconteceu.
Chegou o tempo das olimpíadas. E, mais uma vez, os ares gregos mostraram não fazer nada bem a Portugal. A epopeia Camoniana em nada cruzou-se com com os pensares grecígenas. Receou-se uma “nova era grega”, nos gramados. Mas como tudo na vida tem um fim, o ouro olímpico não é grego. De tragédia à la grega à comédia nada divina. Como o esporte ultrapassa as fronteiras da razão, e o futebol mostra isso, a nós resta-nos congratular os vencedores, a Grécia e ao povo português que fez fora dos campos o seu maior espetáculo, a contrariar qualquer prognóstico mitológico.

Igor Lopes

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