Show de Letras, informação que faz sentido!

Visite também www.sodiver.blogspot.com e www.epoesis.blogspot.com

domingo, dezembro 12, 2004

“Um país absolutamente sem carater”

É assim que Carlos Henrique Escobar descreve o Brasil. Antigo professor da Facha, o filósofo escolheu Portugal para viver depois de ter passado pelos maus tempos da ditadura

Carlos Henrique Escobar Fagundes, nasceu em novembro de 1933, em São Paulo. Chegou a Portugal em outubro de 2000, viajando do Brasil direto a Livorno, na Itália, num navio misto de passageiros e de carga. Logo depois voou para Portugal, via Zurique.
Escobar, como ficou conhecido depois de um curso de cinema, no Rio de Janeiro, trouxe consigo sua esposa Ana, seu filho Emílio e seus sete gatos, que vieram diretos para Portugal. “Os motivos principais desta mudança para Portugal foram alguns problemas de saúde da Ana, que é portuguesa e cuja família toda vive em Portugal, além do fato de que não querer que nosso filho crescesse na violência do Rio”, afirma Escobar.
Carlos Henrique Escobar vive em Aveiro, cidade da região da Beira Litoral, a 265 km de Lisboa. O filósofo orgulha-se do fato de não ter feito a escolaridade tradicional, sendo considerado um autodidata. Até hoje, o escritor publicou cerca de 30 livros, entre poesia, teatro, ensaios e filosofia, no Brasil e em Portugal. Com 71 anos, atualmente o autor ocupa suas horas livres tratando da publicação de seu teatro aqui em Portugal, além de escrever seu livro de teses de filosofia.
Mesmo longe do Brasil, em tom poético, o professor não esconde a mágoa das pessoas que não o apoiaram: “Acho que fiz muitos inimigos porque “sonhei” com o caráter, a firmeza das posições e talvez também com a misericórdia. Os homens parecem não saber onde estão, nem quem são. Afinal, há tão pouca loucura no mundo”.
Depois de muitos sacrifícios na ditadura, Escobar diz não recear a morte: “Estou bem. Sempre mais velho e mais ‘morrendo’, num processo crescente de compreensão, surpresa, respeito e também revolta. Sinto que não sei e não saberei morrer, mas sinto que ter vivido a dor no corpo-a-corpo da infância e da juventude, nos choques elétricos, nos afogamentos e violências sexuais do Doi-Codi acabou por me ajudar muito a ser velho e a administrar o horror”.
Dos tempos de professor da Facha, o filósofo manda um recado a alguns professores: “Minha saudade de cada um de vocês é imensa. E sinto muito ter algumas vezes criticado ou exigido algo mais de um ou de outro. Sempre admirei a delicadeza e até beleza da forma do Naílton administrar a Escola de uma forma leve, quase secreta, mesmo se inseparável de uma sombra. Sei que ele o fez para sobreviver e assim não me aborreço que isso implique numa certa injusta submissão a pessoas mesquinhas e incompetentes que subtraem os recursos da Escola, sem nada investirem”.
Como docente, Escobar afirma ter dado o melhor de si, mesmo aos que não mereceram: “Quanto a mim, respeitei os alunos, cumpri as obrigações de professor e fui amigo de todos, mesmo dos que jamais foram meus amigos”. Mesmo os sindicatos não lhe são uma boa recordação: “Fui solidário com a luta dos professores, nunca traí esta luta, mesmo quando o Sindicato nos traía. Não fiz concessões aos “poderosos” para me beneficiar, aliás me repugna tirar proveito seja ele qual for na vida, e ainda mais numa realidade como o Brasil”.
Quero e compreendo que os fracos, desleais, mentirosos profissionais, falem mal de mim e me tenham temido. Eu os infernizava. Que sejam eles os testemunhos de quem fui. Há uma certa inocência dos que procuram tirar proveito da vida à custa da dor e humilhação dos outros”, desabafa ele.
O poeta descreve o Brasil como um país sem caracter, aludindo aos maus tempos de uma política quase sem precedentes: “Se envelheço e morro é porque vivi o tamanho inteiro da minha vida, porque sobrevivi a uma ousadia muito minha. E se sobrevivi aos perigos e posições que assumi num país absolutamente sem caráter, é porque devo a vida à sorte de ser amado pelas mulheres. Mas o que mais me orgulhou foi a fidelidade com todos os animais”. Carlos Henrique Escobar passa o dia acompanhado de seus gatos, que são os animais preferidos do filósofo, quem encontrou em Aveiro um cenário perfeito para estudar e escrever.

A vida de Escobar

Como dramaturgo, Escobar escreveu a primeira peça aos 17 anos (Antígona América) e teve várias outras premiadas pelo Serviço Nacional de Teatro. Tem dez livros editados com várias peças, além das últimas: “Medeia Masculina” e “A Tragédia de Althusser”, editadas em Portugal. Em poesia, editou seis livros, sendo também premiado algumas vezes. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua carreira de professor universitário, sendo um dos fundadores da Escola de Comunicação da UFRJ. Militante de esquerda desde a sua juventude, foi preso político durante a ditadura militar, perdendo a audição de um ouvido nas salas de tortura, além de ser proibido de dar aulas, sendo anistiado durante o governo Sarney, em 1986. Durante esse tempo lecionou em várias Universidades privadas do Rio e viajou por todo o Brasil dando cursos e conferências.
Em 1986 volta à UFRJ e à UFF e recebe, pela UFRJ, o título de Notório Saber. Em 1992 recebe o título de doutor na Escola de Comunicação da UFRJ, defendendo a tese “O Marxismo Trágico”. Foi também, durante cinco anos, professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Editou mais de dez livros de Filosofia e de Ensaios.
Depois de reformar-se veio, no final de 2000, viver em Portugal, onde participa em congressos e dá conferências.

Ígor Lopes

5 Comentários:

Às 2:46 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Escobar é um monstro - quão valoroso monstro! Não passei por outra pessoa que fosse tão doce e ácida ao mesmo tempo e na mesma intensidade.

Lembro ainda de uma fala em um de seus cursos que não pude esquecer - se referia ao Zaratustra: "O futuro são os animais... A agilidade dos animais nos homens". Assim é sua escrita, rápida, cortante, ferina, assim como sua vida - quem teve o privilégio de participar dos embates contra outros monstros como Merquior e Leandro Konder, sabe o que estou dizendo.

Hoje não vemos mais esses grandes duelos nas Universidades e nem nos domínios públicos. Tudo virou uma grande e dissimulada confraria de "amigos", uma histericização baixa do discurso, onde o pensar se tornou um produto de luxo, um fetiche mercadológico apropriado pelos modismos de todas as espécies.

Porque há de se dizer que duelos daquela envergadura eram a expressão mais visceral do pensamento que se derramava (novamente) feito lava na academia lambendo os corredores, tomando de assalto as conversas informais nas cantinas, tornando-se preâmbulos das aulas ou se transferindo inteiras para os auditórios onde se davam os combates – todos a debater e a brindar a volta do espessar-pensar do pensamento (Escobar), uma repaginação de Maio de 68.

Muitos foram os jovens que, como eu, se identificaram com sua veia dionisíaca cujo espírito ditirâmbico e não conciliador nunca impediu de acolher afetivamente quem se dispunha a conhecê-lo mais de perto. Os pássaros que o visitavam pela janela no Humaitá, assim como os gatos, seus e-ternos companheiros, sabem o que estou dizendo.

A ti, amigo, saudades, muitas saudades - quem sabe vc leia este ode. Abraço Forte!

Irlan Farias
irlanfarias@uol.com.br
Rio de Janeiro - Brasil

 
Às 11:49 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

meu irmão ,meu amor e meu histórico.Fui a gata mais mansa que lhe acompanhou em São Cristovão e lutou como possível sua saída e sua presença à sua Mãe. Ainda vivo para saber dos que restam como preciosidade de nossas análises ao longo do tempo e vou longe queimando as asas em volteios na lâmpada como mariposa no calor da grande esperança...joia

 
Às 6:45 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Pai..Escobar..é um dos únicos e raros que não pleiteou a pensão dos presos e torturados politicos...
apesar de até merecer e precisar..o que ele me disse foi.."meu Ideal não está em uma pensão mas na Evolução Política e Social de meu País.."
Eu o Admiro muito, e é nele que me espelho ao buscar novas e justas resoluções de Igualdade e justiça neste Brasil.
Obrigada Pai.

 
Às 11:16 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

FUI ALUNO DE ESCOBAR NA FACHA,RJ 1980.MESMO HOJE, QUE ENCONTRO-ME COM OUTRA VISÃO DE MUNDO REJEITANDO O MARXISMO,NIETZSCHE,ETC E ME VOLTANDO,POR EXEMPLO,PARA A ESCOLÁSTICA,NÃO ME ESQUEÇO DA DOÇURA DE ESCOBAR COM SEUS ALUNOS,DOS DEBATES E CURSOS MINISTRADOS POR ELE,SEM CONTAR SUAS PEÇAS E POEMAS.MAIS DO QUE ISTO,ELE ME DEU ATENÇÃO,LEU E COMENTOU MEUS POEMAS E IDÉIAS.MESMO EU SABENDO QUE ESCOBAR ERA CONSIDERADO MEIO "MALDITO",QUANDO FUI FAZER MESTRADO EM FILOSOFIA NA PUC,PEDI E ESCOBAR ME FORNECEU,UMA CARTA DE REFERÊNCIA COMO SEU ALUNO.CONSEGUI ENTRAR NO MESTRADO DEPOIS DE FAZER E DEFENDER UMA MONOGRAFIA(NA ÉPOCA TAMBÉM FUI AJUDADO POR EDUARDO NEIVA JR).A LEMBRANÇA DO PROFESSOR ME DEIXOU EMOCIONADO E COM OS OLHOS ÚMIDOS.E EU TAMBÉM ME DECEPCIONEI COM A FALTA DE CARÁTER DOS BRASILEIROS E COM O FIM DA CULTURA ERUDITA NO PAÍS.ATUALMENTE VIVO QUASE QUE EM RECLUSÃO.

 
Às 6:21 da tarde , Blogger pedagogo0 disse...

Foi professor em diferentes épocas tanto da minha mãe como de meu pai, Maria do carmo do amaral e Benjamin mandelbaum. os dois o achavam genial. Pude ter contato com ele nos tempos que o fome de educação atuou anarquicamente no cenario estudantil carioca, desbancando a politica de aparelhamento partidario na educação. Quando lhe perguntei em um auditorio lotado sobre a farsa partidária no meio estudantil, ele disse, perante a todos estudantes profissionais: " o tempo deles já foi, o que eu agora quero ver são os culhões dos estudantes!!!" Ovacionado! Genial, perda pro Brasil, deveria estar aki nos ensinando se o pais demonstrasse gratidão por sua história!

 

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial