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domingo, fevereiro 12, 2006

Maria Alcina

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Maria Alcina Fadista, um mito castrense em terras brasileiras

O fado é a sua vocação!

Natural de Cetos, no concelho de Castro Daire, Maria Alcina está no Brasil há 53 anos, onde adoptou o fado como profissão e criou um estilo próprio. Após chegar ao Rio de Janeiro, em 1953, Alcina passou por momentos difíceis, mas com o apoio da família, dos amigos e através da sua voz tornou-se uma das portuguesas mais conhecidas daquele país, sendo apelidada de “Maria Alcina Fadista”.
Mais tarde abriu um restaurante e deu-lhe o nome de uma das suas especialidades: “A Desgarrada”. Após 45 anos dedicados ao fado, ainda hoje o seu nome é requisitado nos encontros da comunidade portuguesa no Brasil.
A pouco mais de um mês de completar 67 anos de idade, Alcina recebeu o LH na sua casa no Rio de Janeiro, onde contou-nos como foi o começo da sua vida, a sua relação com a comunidade portuguesa radicada no Brasil, os grandes momentos da sua carreira, os nomes que não lhe saem da memória e as alegrias que o fado lhe deu.

Lamego Hoje - Como e quando chegou ao Brasil?
Maria Alcina - Cheguei ao Brasil em 1953, com 14 anos de idade, junto com a minha mãe, para reencontrar o meu pai, pois não nos víamos desde os meus dois meses de idade, quando a vida (guerra) separou-nos.
Como foi o começo da sua vida no Brasil?
Como todo imigrante a vida foi difícil, mas a vontade de vencer e o carinho deste povo brasileiro, que é maravilhoso, junto a uma comunidade portuguesa muito unida, levou-me à vitória.
Por que o fado como forma de governar a vida?
Foi uma benção divina. Graças ao fado, as minhas três filhas se realizam dentro da área da medicina e espiritualmente.
Quantos trabalhos gravou?
Gravei três LP’s, quatro compactos e um CD pela “SomLivre”. Acho pouco para uma carreira de 45 anos dedicada à música portuguesa. Mas no Brasil as portas não se abrem facilmente para o tipo de música que escolhi, mesmo assim, tive muita sorte ao fazer muitos programas de televisão, novelas, mini-séries e a correr todo o Brasil e América do Sul com o meu canto.
Para além de cantar, abriu um restaurante chamado “A Desgarrada”. Como foi a experiência?
Foram 25 anos a representar Portugal no Brasil, num “cantinho” em Ipanema. Através da culinária, dos costumes, do folclore e artesanato, e de tudo que representava Castro Daire, todas as noites eu cantava e proporcionava aos frequentadores do restaurante (90% eram brasileiros) a alegria de estarem em Portugal. Fui muito feliz naquela época. Lá recebi presidentes da República, ministros, artistas, grandes poetas, embaixadores de muitos países que, mesmo sem perceber a língua portuguesa, inebriavam-se com o fado e com o choro da nossa guitarra.
Por lá passaram grandes nomes da música portuguesa...
Tivemos noites fantásticas, com grandes nomes da música luso-brasileira tais como: Carlos do Carmo, António Chainho, José Maria Nóbrega, António Mourão, Amália Rodrigues, António Campos, Sá Moraes, Lúcia dos Santos, Sebastião Robalinho, Mário Simões, Adélia Pedrosa, Teresinha Alves, Maria de Lourdes, Glória de Lourdes, Mário Rocha, Olivinha Carvalho, Hélia Costa, Paulo de Carvalho, Armando Nunes, Silvino Pinheiro, António Maria, António Ferreira, António Rodrigues, Víctor Lopes, Caçula Hilário, Claudia Ferreira, entre outros.
Os cantores brasileiros também marcaram presença, como Rosita Gonzales, Franca Fenati, Hellen de Lima, Carlos José, Helena de Lima, e etc.
O que mudou na sua vida após o encerramento do restaurante?
“A Desgarrada” foi um ciclo que teve o seu tempo certo. Por isso mesmo esqueci-me das decepções e só recordo as alegrias. Após “A Desgarrada”, gravei pela “SomLivre”, o que foi uma surpresa inesperada dadas as dificuldades de se gravar no Brasil e em Portugal. Tive o apoio de grandes figuras da comunidade portuguesa, como o António Gomes da Costa, todos os presidentes das associações portuguesas no Brasil, da imprensa, com destaque para o jornal “Portugal em Foco”, na pessoa da directora Benvinda Maria e do comendador Marques Mendes que, além de me apoiarem, levaram-me a Portugal várias vezes com o grupo folclórico português do Rio de Janeiro, dando-me a oportunidade de visitar muitas terras portuguesas e de realizar muitos espectáculos por onde passávamos.
Como é, actualmente, a vida da comunidade portuguesa no Rio de Janeiro?
Os portugueses que vivem aqui no Rio procuram cada vez mais estarem unidos, com o propósito de divulgar Portugal. Somos uma família.
Que amigos são inesquecíveis?
Todos os amigos são inesquecíveis, para isso são amigos. Mas destaco com muita saudade homens como António Feliciano Leão, que foi presidente da Casa de Portugal, e Lúcio Tomé Feteira.
Que recordações tem de uma vida inteira dedicada ao Fado?
São imensas as boas recordações da minha carreira. Mas algumas foram marcantes, como o contrato de um mês no Casino Estoril em 1974 e as participações nas novelas na TV Globo. Tive a oportunidade de ser a primeira mulher a abrir o desfile de uma escola de samba que falava do grito do fado e da guitarra. Participei durante quatro anos, junto a Tony Correa, no espetáculo teatral “Navegar é preciso”, que percorreu o Brasil inteiro, mostrando os feitos dos nossos descobrimentos intercalado com fados. Em 1993, foi inaugurada, em Castro Daire, a avenida “Maria Alcina Fadista”. Por esta homenagem, agradeço eternamente ao então autarca, César Santos, e à Câmara dos Vereadores, a Adão Ribeiro, que tudo fez para que eu recebesse esta homenagem que representa, assim, todos os imigrantes portugueses por este mundo fora.
Na sua opinião, o que é o fado?
O fado é um estado de alma. Através dele é possível transmitir, a quem o ouve, a alegria ou a tristeza que lhe vai à alma.
No ano passado esteve em Portugal e, claro, visitou Castro Daire, concelho onde nasceu. Como foi o reencontro?
Ao lado do João (marido), passei por lugares onde vivemos e sonhámos tudo o que se realizou depois de tantos anos. Ao ver a minha terra natal senti um grande amor, sempre renovado. Percorrer os caminhos da terra onde nasci, da qual me orgulho e sonho a todo o momento voltar, foi uma dádiva de Deus.
Quem é hoje a Maria Alcina?
Maria Alcina é uma cantora portuguesa radicada no Brasil, realizada como mulher e como artista e orgulhosa de ser imigrante.
Ainda hoje o seu valor é reconhecido?
Sinto que sim, mas o maior valor está em mim mesma, reconhecendo que tudo o que fiz foi em benefício da arte, da família e do ser humano.
Hoje em dia, está a viver uma nova fase, com um novo casamento. Está feliz? Tem novos projectos profissionais?
Estou eternamente feliz. Meus projectos são proporcionar alegria a todos que me cercam doando-me como mulher, artista e ser humano. Para já, agradeço as oportunidades que a vida proporciona-me, fazendo amigos, alegrando corações e procurando divulgar mais e mais a amizade luso-brasileira, visto que o Brasil recebeu-me de braços abertos e aqui encontrei e realizei todos os sonhos de uma adolescente que, aos 14 anos, pisou em terras de Vera Cruz.